História e Historiografia do RS

sábado, 15 de julho de 2017

A DANÇA MACABRA

A peste negra (hoje conhecida como peste bubônica) provocou devastações na Europa desde o século XIV e modificou o cenário mental. Estima-se que na grande epidemia dos anos 1348-1350, cerca de um terço da população européia morreu (aproximadamente 75 milhões de pessoas). Surtos posteriores continuaram a produzir alta mortalidade e criaram um quadro de morbidade mental que se difundiu nos séculos seguintes.
O medo da peste e da conseqüente contaminação passa a fazer parte do cotidiano com diferentes respostas culturais. Na falta de uma explicação científica que esclarecesse a doença e desenvolvesse medicamentos, o campo sobrenatural foi evocado e seria o fator explicativo para a presença da peste.
         Acreditava-se que a doença era uma determinação de Deus para punir a humanidade pecadora, exigindo penitência e a observação de qualquer sinal nos céus (como a passagem de cometas ou conjunção de planetas), que poderia estar associada ao início de uma epidemia. Clamar ao divino a salvação e inclusive fugir de lugares infectados passa a ser um procedimento comum nas cidades contaminadas.
         Este clima de sobrenaturalismo e desespero frente a uma morte que ocorria em poucos dias após o contágio, desenvolve uma aproximação com uma escatologia voltada ao além. Constata-se que a vida é um passamento onde a morte está muito próxima e pode ser muito rápida.
         Uma visão equivocada relaciona que a Idade Média e seus mil anos de duração pode ser definida como a Idade das Trevas. De fato, o longo período medieval teve várias fases mas a morbidade passa a se fazer persistente no cotidiano a partir do século XIV (com a peste) quando o Renascimento (suposto período otimista) começará um lento processo de constituição. A sensibilidade desenvolvida no desespero das epidemias ficou expressa na literatura/fontes históricas e também na imagética das artes visuais. A melancolia, tristeza e morbidade estão presentes em várias obras produzidas e ainda com forte presença sobrenatural da cristandade.
Uma das criações simbólicas deste estado de espírito foi a Dança Macabra (ou Dança da Morte), imagens que retratam a morte assediando os vivos e prometendo levá-los para o túmulo em futuro indeterminado mas inexorável. Num período de peste, a morte poderia se manifestar com brevidade excepcional, o que apavorava ainda mais as pessoas desta época. A mais antiga Dança Macabra remete ao ano de 1425 e eram afrescos dos muros do cemitério dos Santos Inocentes (Paris) que foram reproduzidos nas gravuras em livro de Guyot Marchant (1485) e nas gravuras de Hans Holbeins entre outros. Na representação está a caveira (a morte...) dançando com os mais diferentes segmentos sociais e evidenciando a sua ação sobre todos os seres vivos: o papa, o imperador, o cardinal, o rei, o cavaleiro, o mercador, o médico, o advogado etc.
O necrótico se expressa na modalidade iconográfica da ‘vanitas’ renascentista, onde a transitoriedade da vida está sempre relacionada com o absoluto da morte. A imagem do esqueleto dançando e enfatizando a todos que ninguém escapará à sua visita, foi reproduzida nos séculos seguintes e chegou até o presente como um recurso visual, criado a mais de meio milênio, que permanece forte e mórbido. Em tempos de Ebola a Dança Macabra volta a ser evocada...



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